“Toma cuidadinho contigo, filha!”, é, invariavelmente, a última coisa que o meu avô me diz todas as vezes que falamos. Dos seus 92 anos, e mesmo depois de tantas aventuras e desventuras por terra e por mares, é com espanto e tristeza que vê e vive estes tempos. Quando resume e partilha comigo as notícias que acompanha religiosamente através do Telejornal, a sensação que tenho sempre, porém, é a de estarmos a viver em tempos e mundos diferentes. Minutos bastariam a qualquer um para ver e sentir as diferenças entre Portugal e Moçambique, daí que não seja de estranhar que essas mesmas se reflitam até na forma como se vive durante uma pandemia.
Apesar do decretado Estado de Emergência, e dos muitos esforços por parte das entidades responsáveis em fazer respeitar as normas daí decorrentes, a verdade é que, não fossem algumas máscaras, os baldes nas portas das lojas e serviços públicos ou os constantes anúncios nas rádios e televisão, e diria que tudo se mantinha igual. Isto porque a azáfama do dia-a-dia mantém-se, ditada, sobretudo, pela urgência diária em garantir sustento. As ruas continuam cheias de vida, os mercados funcionam no mesmo ritmo frenético, vendedores e clientes não faltam, não deixando grande espaço ao tão necessário distanciamento social. A preocupação dá lugar à necessidade e, colocando-me muitas vezes no lugar destas mulheres e destes homens, pergunto-me “Como seria, se estivesse no seu lugar?”.
Quando a ameaça é invisível, e quando a realidade à tua volta apresenta pouca diferença, a tendência é a de aligeirar o tal “cuidadinho” que o meu avô aconselha. Essa minha tendência é sempre contrariada quando falo com amigas e amigos e tento realizar o que é estar de quarentena, com as rotinas todas alteradas, sem o calor do outro, na expectativa do final disto tudo, mas receoso do que esse final implicará. Também aqui me coloco muitas vezes no lugar destas amigas e amigos e pergunto-me “Como seria, se estivesse no seu lugar?”.
O meu lugar é aqui, é agora. Entre cá e lá, o coração fica muitas vezes pequenino, de saudade, de preocupação. Pelos meus, pelos outros. Por cá, e no meio de uma gestão emocional muitas vezes exigente, há que continuar o trabalho, agora limitado quase exclusivamente ao escritório, e não deixar que o medo e a incerteza ponham em causa tudo o que queremos e precisamos fazer.
Por lá, espero que a vida volte à normalidade o mais rapidamente possível, seja nos termos que a nova normalidade permita. Quero voltar a Portugal com a certeza de poder tocar, beijar, rir e estar com quem amo. E, ao abraçá-lo longamente, garantir ao meu avô que, desta vez, segui o seu sábio conselho!
Fátima Falua, Diretora de programa da Helpo em Cabo Delgado, Moçambique