O mundo está doente. Doente de compartimentação e indiferença, de individualismo e desigualdade. Está doente não apenas porque um vírus desconhecido descobriu que não há fronteiras (o que nos custa tanto a assumir), mas porque os dramas humanos fazem manchetes de jornais e em grande parte dos casos fazem pouco mais do que isso. Essa acaba por ser a reação e não se converte em motor de arranque para nada. Sim, há quem se sensibilize e sim, as manifestações de solidariedade que a COVID19 despoletou são muitas e tocantes mas esgotam-se para com aqueles que têm uma varanda igual à minha e que entoam uma canção que eu reconheço! É tão mais difícil ser-se empático com o que não se vê, não se reconhece e está tão longe. A COVID19 é um problema do mundo, sim, mas isso não implica que o mundo olhe para ela como um problema que tenha ou que vá ser enfrentado em conjunto. Quando atingir em força o continente Africano, o mundo dito desenvolvido estará a braços com a recuperação da sua economia. Enquanto isso, 300 mil pessoas deverão perder a vida e 30 milhões de pessoas serão atiradas para a pobreza extrema; é o que já apontam relatórios das agências das nações unidas para a África subsahariana. 300 mil pessoas são 300 vezes mil pessoas com nome, rosto, família e sonhos, cuja história dificilmente será contada. 30 milhões de pessoas são 30 milhões de vezes uma pessoa que passa fome e vê a sua esperança numa situação mais digna e segura ser empurrada com os pés para o fundo das prioridades das agendas dos atores das relações internacionais. Aquando dos ciclones Idai e Kenneth, há um ano, foram reunidos cerca de metade dos fundos que seriam necessários para reverter por completo a situação à qual foram remetidas milhões de pessoas. Metade do necessário e o percurso a ter início para reerguer a vida atropelada pela água e pelo vento e agora nada. Uma onda invisível.
Joana Lopes Clemente, Coordenadora Geral e Executiva da Helpo