A palavra de ordem é desconfinar! Tão inexistente no nosso vocabulário quanto a naturalidade com que se faz. O mundo, que era do tamanho das nossas casas, esticou de tal maneira que todos cabemos nele, mas a metros de distância uns dos outros! Sair de casa e olhar com desconfiança quem não tem máscara e quem não se desvia da sua rota para evitar a proximidade ou ainda quem está integrado num grupo! Olhar com medo a normalidade e perfilhar uma rotina onde não cabem os beijos nas bochechas da minha mãe. Tomar decisões que antes se tomavam sozinhas.
Agora. Sair ou não sair, voltar à escola ou não voltar, estar com a família ou não estar. E essas decisões cabem numa máquina de lavar de emoções porque estão cheias de peso e de liberdade. A COVID-19 devolveu-nos a consciência de que temos liberdade para tomar decisões até aqui automatizadas pela bitola frenética do tem-que-ser-assim. Não, não tem.
Mas ao mesmo tempo carregou-nos os ombros com o peso imensurável das consequências. De resto, não é sempre esse o resultado de um embate hipotético com a morte? Liberdade e peso. As estatísticas estão contra muitas das minhas pessoas. O meu mundo pode levar uma volta muito maior do que um confinamento em casa durante dois meses. E penso, egoisticamente, que a minha angústia não tem reflexo neste aligeirar das medidas de prevenção. E que o mundo gira, indiferente a tudo e que é aí que se esconde e se mostra a sua beleza e a nossa finitude. E o desespero no confronto com ela. Desconfinar é a palavra de ordem mas os pensamentos que disparo como setas contínuas a cada tentativa de regresso à normalidade continuam confinados ao medo e isto não se desconfina com decretos e leis e diretivas e boletins. Para mim, a normalidade foi e será sempre o beijo na bochecha da minha mãe. E enquanto esse me estiver vedado, vou sempre sentir-me confinada!
Joana Lopes Clemente, Coordenadora Geral e Executiva da Helpo